Um novo documentário, “Olhares”, explora as experiências de afrodescendentes em Portugal, realçando a forma como a cultura africana é preservada através de hábitos familiares, como a comida, a música e a dança. A série, produzida pela Livremeio Produções para a RTP2 e dirigida por Carlos Fraga, é composta por seis episódios de 30 minutos cada. O resumo da série foi apresentado no Centro Cultural de Cabo Verde, em Lisboa, com a presença dos participantes.
Entre os protagonistas estão figuras como o músico Dino d’Santiago, o pintor Francisco Vidal, o jornalista José Mussuaili, o empresário Marco Santos, a agente imobiliária Dulcineia Sousa, o farmacêutico Joseph Ngongo, o segurança e agente cultural José Baessa de Pina-Sinho, a cantora e gestora de comunicação Vanessa Vieira, a gestora de projetos e cantora Juliana Alves e a gestora cultural Ana Tica. Todos têm em comum o facto de terem nascido em Portugal, enquanto os seus pais nasceram em África, e o vínculo ao continente africano que lhes foi transmitido nas suas rotinas diárias.
Vanessa Vieira, por exemplo, partilha como a cultura africana é vivida na sua casa, especialmente nas refeições. “Aos domingos a comida é africana à rija. É quase ofensivo não fazer um bom funge com um molho diferente, o kalulu, peixe seco, muamba de galinha”, refere, descrevendo a importância das tradições culinárias na sua identidade.
José Baessa de Pina-Sinho, também conhecido como Sinho, não hesita em apontar críticas ao modo como Portugal abordou a Década Internacional dos Afrodescendentes, declarada pela ONU. “Nos últimos nove anos não ouvi falar sobre a década dedicada aos afrodescendentes. Não nos vieram ouvir, saber o que pretendemos”, lamenta, criticando a falta de iniciativas e de diálogo direto com as comunidades afrodescendentes.
Dino d’Santiago, uma das vozes mais conhecidas no panorama musical, fala sobre a sua dupla identidade: “100% português e 100% cabo-verdiano”. O cantor relata como, ao longo dos anos, foi descobrindo e assumindo a sua africanidade, que anteriormente reprimia devido à formatação do ensino europeu. Para ele, a música desempenhou um papel crucial nesse processo de autodescoberta.
Marco Santos, um empresário de origem angolana, confessa que, embora se sinta português, a sua primeira visita a Angola revelou-lhe um sentimento de pertença. “Sou angolano porque, apesar de ter crescido em Portugal, cresci a comer matabicho e a ouvir música angolana”, partilha.
Francisco Vidal, por seu lado, reflete sobre a sua complexa identidade. Embora seja considerado europeu em África, abraça tanto a sua herança africana quanto europeia.
Juliana Alves, gestora de projetos e cantora, traz à tona as dificuldades de ser afrodescendente em Portugal. “Cheguei a estar a passear o meu filho e a pensarem que eu era a empregada”, desabafa, destacando o impacto de atitudes racistas no seu dia-a-dia.
O racismo é um tema central em “Olhares”, com todos os participantes a descreverem as suas vivências de discriminação racial. Dino d’Santiago relembra uma frase que o marcou profundamente desde a infância: “Preto de merda, vai para a tua terra”. Apesar de já adulto, continua a deparar-se com esta realidade. Ana Tica resume a situação de forma clara e direta: “Há racismo, ponto.”
De acordo com a Lusa, o documentário não só revela as lutas e desafios dos afrodescendentes em Portugal, como também celebra a riqueza das suas culturas e a complexidade das suas identidades. “Olhares” é um retrato multifacetado de um grupo que mantém viva a sua ligação a África, enquanto lida com as dificuldades de ser afrodescendente numa sociedade ainda marcada pelo preconceito. AIC