O julgamento dos generais angolanos “Dino” e “Kopelipa” iniciou-se nesta segunda-feira com a leitura da acusação, onde o nome de Manuel Vicente surge várias vezes, podendo o ex-patrão da Sonangol ser chamado como testemunha, disse fonte da defesa.
À saída da primeira sessão do julgamento, que durou quase seis horas, três das quais dedicadas à exaustiva leitura da acusação com 223 páginas, Benja Satula, que representa as empresas chinesas Plansmart International Limited e Utter Right International Limited neste processo, considerou que o julgamento “começou por mal” por não terem sido apresentadas as questões prévias e admitiu que “há coisas inexplicáveis”.
“Puderam ouvir a acusação, puderam acompanhar o desenrolar dos factos e perceberam que há coisas que são inexplicáveis”, respondeu, quando questionado pela Lusa sobre se a defesa estranhava o facto de Manuel Vicente não estar na condição nem de arguido nem de testemunha nem de declarante.
Sem referir o nome do antigo presidente da Sonangol, Benja Satula considerou que o Ministério Público “deveria fazer melhor o seu trabalho”, tal como o tribunal, que, em sede de instrução, “tinha a espetacular oportunidade de fazer um trabalho melhor” e não o fez.
Questionado sobre se os defensores dos arguidos poderiam requerer a audição de Manuel Vicente, comentou que foram entregues “muitos documentos e foram arroladas várias testemunhas”, dentre elas pessoas ligadas à Sonangol à data dos factos, incluindo Manuel Vicente.
Compete ao Tribunal notificar as testemunhas “e incitar os esforços e as diligências para que se façam presentes em audiência de julgamento”, acrescentou.
As empresas, a par dos generais Manuel Hélder Vieira Dias Júnior “Kopelipa” e Leopoldino Fragoso do Nascimento “Dino”, próximos do ex-Presidente angolano José Eduardo dos Santos (já falecido), o advogado Fernando Gomes dos Santos e Yiu Haiming são acusados da prática dos crimes de peculato, burla por defraudação, falsificação de documentos, associação criminosa, abuso de poder, branqueamento de capitais e tráfico de influências.
“É a primeira vez que vai acontecer desta forma, mas que seja como o venerando tribunal entender”, comentou Benja Satula.
O advogado sublinhou que este“não é um processo de corrupção” e sim “de atos que foram praticados em nome de um contexto especial do Estado angolano, com empresas, com entidades identificadas, com atos todos bem documentados“.
E insistiu, do ponto de vista da apreciação das questões prévias, que o Tribunal poderia “ter uma oportunidade para rever, para redirecionar e para focar o julgamento na direção certa”, o que espera conseguir na segunda sessão, marcada para terça-feira.
“Se as questões prévias fossem discutidas, pouparíamos o tribunal, pouparíamos a informação e passávamos uma melhor informação à comunidade. Não aconteceu por razões estranhas (…), porque, de facto, nunca vi, em toda a experiência que tenho, que a leitura das peças principais seja feita antes de serem discutidas as questões prévias, que podem implicar nulidades para questões fundamentais que estão no processo”, declarou.
O processo, que conta com 38 declarantes e testemunhas, gira em torno da reconstrução de Angola após a guerra civil e de financiamentos chineses no valor de milhares de milhões de dólares, sendo a Sonangol e subsidiárias da China International Fund (CIF) em Angola e Hong Kong centrais nas operações.
Montantes avultados terão sido desviados por empresas ligadas aos dois generais e a Manuel Vicente, ex-presidente da petrolífera estatal Sonangol e ex-vice-Presidente da República, que também esteve na mira da justiça portuguesa.
Em troca do financiamento, as empresas chinesas recebiam carregamentos de petróleo, mas muitos pagamentos não chegaram a entrar nas contas da Sonangol e do Estado angolano, que, por sua vez, chegou a pagar duas vezes as mesmas urbanizações, segundo a longa acusação, que contabiliza detalhadamente os muitos milhões envolvidos nos negócios China-Angola entre 2003 e 2014, altura em que a crise financeira paralisou muitas obras.
Os dois antigos homens fortes de José Eduardo dos Santos acabaram por ter de entregar ao Estado várias empresas e edifícios detidos pela CIF e pela Cochan, S.A., incluindo fábricas de cimento e de cerveja, uma rede de supermercados e edifícios de habitação.
Quanto a Manuel Vicente, é alvo de um processo do qual pouco se conhece e que tem avançado com grande lentidão.