Um novo medicamento de prevenção e tratamento do VIH/Sida vai entrar no mercado angolano em breve. Trata-se do Lenacapavir, que funciona com duas injecções por ano e poderá custar 28 mil dólares por ano e por pessoa, com ajuda de financiamentos estatais. Este medicamento foi aprovado na União Europeia há alguns anos para o tratamento de pacientes com o vírus.
Em entrevista à RFI, Isabel Daniel, assessora de Informação Estratégica da ONU-Sida em Angola, explicou o funcionamento deste novo medicamente e as vantagens que representa para os cerca de 370 mil angolanos actualmente diagnosticados com o vírus.
RFI: Quais são os dados actuais sobre o VIH/SIDA em Angola?
Isabel Daniel: As estimativas da ONU-SIDA em Angola para 2024 são de cerca de 370.000 pessoas que vivem com VIH, ou seja, uma prevalência de 1,6%. Deste grupo, 70% são mulheres, e cerca de 10% são crianças abaixo de 14 anos. No país, a prevalência é maior em algumas zonas.
RFI: Por exemplo?
Angola tem 21 províncias. Lunda Sul, Lunda Norte, Cunene, Cubango, Moxico, todas estas províncias do Leste e Sul, têm uma maior prevalência do que o resto das outras províncias.
RFI: Como se explica este facto?
São províncias que fazem fronteira com países que têm uma prevalência maior que a nossa. Há também grupos mais vulneráveis em termos de comportamento e risco. Por serem províncias, por exemplo, com actividade de mineração, há então muita troca de bens e maior actividade sexual, o que aumenta o risco e os números.
RFI: Relembremos como é que se transmite o vírus da SIDA?
A principal transmissão é pela via sexual. Uma pessoa que vive com o vírus do VIH e que não faz tratamento, contém um alto número de vírus. Se tiver uma relação sexual desprotegida, pode então passar o vírus para outra pessoa. Pode ser também a contaminação de mãe para filho, durante a gestação, se não tiver a fazer o tratamento, a mãe pode transmitir o vírus através da placenta.
RFI: O que se sabe sobre este novo medicamento, o Lenacapavir, que vai entrar no mercado angolano? De acordo com o Instituto Nacional de Luta Contra a Sida (INLS), trata-se de um medicamento injectável recentemente lançado pela farmacêutica norte americana Gilead e aprovado na União Europeia para o tratamento de pacientes com o vírus.
Sim, é uma inovação. Trata-se de um medicamento de acção prolongada. Funciona com duas injeções por ano. Para a prevenção do VIH é muito importante, porque é mais fácil de modo geral. Os grupos de maior risco conseguem então se proteger melhor.
RFI: Quem é que são os grupos de maior risco?
São os adolescentes, meninas e mulheres entre 15 a 24 anos, trabalhadores de sexo – pela actividade económica que exercem, têm maior risco – Homens que têm relações sexuais com outros homens também apresentam uma prevalência maior, pessoas transgénero e também pessoas em prisões, por falta de higiene e outros comportamentos associados, como o uso de droga, e o acesso mais limitado aos serviços de saúde.
RFI: Como é que será assumido o custo do medicamento para cada beneficiário?
De acordo com os documentos nacionais disponíveis e as avaliações, sabemos que o Estado angolano custeia cerca de 80% dos custos no combate contra a propagação do VIH. Há depois um certo suporte dos parceiros.
RFI: Mas se formos até ao fim da cadeia para chegarmos ao utente. Quanto irá custar para, por exemplo, uma mulher com VIH comprar o medicamento?
Tem havido muita advocacia para que o preço inicial fosse reduzido. As últimas informações são de 28.000 dólares por ano e por pessoa. Então este seria um novo custo que o governo teria que incrementar dentro do plano estratégico para o combate do VIH. Lembrando sempre que um investimento agora é uma poupança no futuro.
RFI: De acordo com o Plano Estratégico de Resposta ao VIH 2023-2026, Angola dispõe actualmente de 35 milhões de dólares. A ONU alerta que seriam preciso 145 milhões de dólares.
Exacto. O plano estratégico do VIH de Angola para os três anos de 2023 a 2026 estima que sejam necessários cerca de 580 milhões de dólares para fazer face à doença. Ou seja, anualmente, seriam 145 milhões de dólares. O Grupo Técnico de Monitoria de Angola fez então a análise em 2024 de quanto conseguimos alocar para esta resposta, e foi reportado que são 35 milhões de dólares.
RFI: O que quer dizer que é preciso um investimento muito maior ainda?
Exacto. Não só para prevenir e tratar, mas também para combater as discriminações. Uma em três pessoas vivendo com VIH não procura ajuda e cuidados devido ao estigma. De forma geral, em Angola houve muito progresso nos últimos dez anos, mas em termos de tratamento, apenas 50% das pessoas que vivem com VIH recebem tratamento. Esse número é muito inferior à meta da ONU de 95% de pessoas com tratamento.