O desporto: De paixão à indústria sustentável

Quando conseguirmos abrir todas as cortinas e dar ao espectáculo o alcance que merece, o desporto deixará de depender da boa vontade e passará a ser uma indústria sustentável.

O desporto pode ser comparado a um grande teatro: os atletas são os actores principais, as competições são o palco, o público é a plateia, os media são as cortinas que se abrem para mostrar a peça ao mundo, e os patrocinadores são os produtores que tornam o espectáculo possível. Quando cada um cumpre o seu papel, a peça emociona, enche a sala e gera recursos para novas temporadas.

Em Angola, esse ciclo ainda não atinge todo o seu potencial. Não raro, a peça acontece, mas as cortinas ficam apenas entreabertas: o espectáculo existe, porém não chega ao grande público. Em diversos casos, os patrocinadores entram em cena e não encontram as contrapartidas de visibilidade que esperavam — em boa medida porque apoiar o desporto e os jogadores continua a ser visto mais como filantropia do que como investimento estratégico.

Advertisement

Na minha experiência, patrocinar não deve ser um acto de boa vontade, mas uma decisão de marketing com retorno mensurável. O desporto oferece exactamente aquilo que as marcas procuram: emoção, histórias de superação, associação a valores positivos e proximidade com o público. Para tal, é essencial garantir contrapartidas claras e consistentes, assegurando visibilidade efectiva e métricas de impacto.

Aqui entram os media, cujo papel é decisivo. São eles que abrem as cortinas e permitem que o espectáculo chegue além da sala, transformando-o em fenómeno social. Enquanto noutros mercados os direitos são adquiridos, entre nós a transmissão fica muitas vezes condicionada à cobertura dos custos técnicos por parte do organizador. Noutras ocasiões, o canal assume a transmissão já em cima das datas dos jogos, o que não permite captar patrocinadores nem vender intervalos publicitários em tempo útil. Noutros mercados, os patrocínios decidem-se meses — por vezes anos — antes no calendário competitivo. Em competições como a Liga dos Campeões da UEFA, passa-se o inverso: as televisões pagam montantes muito significativos pelos direitos porque sabem que irão recuperar o investimento com publicidade, patrocínios e subscrições. O resultado é claro: clubes mais fortes, atletas mais valorizados e patrocinadores mais interessados. Por isso, enquanto trabalhamos para amadurecer o nosso modelo, temos de assegurar, desde já, a parte que nos compete: execução e entrega no terreno.

“A sustentabilidade começa antes do apito inicial, no detalhe da preparação, e estende-se ao pós-evento com medição séria, aprendizagem e melhoria contínua”.

Ambição e execução. Capacidade não nos falta, nem profissionais com conhecimento das boas práticas; falta-nos, por vezes, exigir de nós próprios o rigor que pedimos aos outros. Firmamos contratos de patrocínio que viabilizam a prova e, depois, não criamos no terreno as condições para os cumprir: planos de visibilidade exequíveis, activações operacionais e protocolo, recolha de dados com consentimento, indicadores de desempenho e relatórios de prestação de contas. Quando falha a entrega, perde o patrocinador e perdemos nós. A sustentabilidade começa antes do apito inicial, no detalhe da preparação, e estende-se ao pós-evento com medição séria, aprendizagem e melhoria contínua.

É natural que surja a dúvida: e se um determinado desporto não tiver audiência suficiente? Há caminhos para inovar. Modalidades emergentes podem começar por transmissões digitais de baixo custo, experimentar modelos de partilha de receitas, organizar pacotes multi-modalidade que diluam risco, ou investir em storytelling que transforme atletas em heróis e crie público antes de alcançar audiência massiva. Em fases iniciais, os patrocinadores podem financiar transmissões em troca de forte visibilidade, ajudando a pôr o ciclo em marcha.

O desporto já possui o essencial: paixão e talento. O que falta é alinhar melhor os seus protagonistas. Precisamos de media que sejam parceiros e não barreiras, de patrocinadores que encarem o desporto como investimento e não como caridade, de federações empenhadas e comprometidas, de atletas que inspirem dentro e fora do campo e de um público tratado como parte activa da experiência. E precisamos, sobretudo, que este ciclo seja fluido, que todos cumpram o seu papel de forma harmoniosa, para que a engrenagem funcione em pleno. Quando conseguirmos abrir todas as cortinas e dar ao espectáculo o alcance que merece, o desporto deixará de depender da boa vontade e passará a ser uma indústria sustentável, capaz de emocionar multidões, educar gerações e gerar valor duradouro para a sociedade. E&M

António Páscoa, CEO da Isenta Comunicação  

Add a comment

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Advertisement