Angola continua por cumprir o sonho da ‘dipanda’

Luanda não tem conseguido distribuir os recursos para o desenvolvimento da população, numa altura em que tenta diminuir a influência da China na sua economia.

Angola celebra 50 anos de independência (dipanda em quimbundo) no dia 11 de novembro de 2025, mas começa já um programa que se estende até ao final do próximo ano, um pouco por todo o país e também na rede diplomática. A principal cerimónia do dia é a inauguração de um instituto politécnico com o nome do anterior presidente, José Eduardo dos Santos, em Malanje. Para o atual líder, João Lourenço, há “motivos bastantes para comemorar em grande”.

Uma opinião não-partilhada pelo principal partido da Oposição, a UNITA, que diz ser uma indignidade festejar quando há ativistas políticos presos, “milhares de angolanos a disputarem comida nos contentores”, e milhões de crianças fora do Sistema de Ensino. Um país onde ainda há quem morra por falta de cuidados de saúde primários eficazes, como aconteceu há dias a uma menina de 6 anos, em Benguela, vítima de raiva depois de ter sido mordida por um cão.

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Os dados não são simpáticos para os angolanos. É verdade que o Produto Interno Bruto (PIB) registou um crescimento de 4,1% no 2.º trimestre, em comparação com o ano anterior, mas o país está desde 2015 a desenhar uma montanha russa no gráfico do PIB. A moeda desvalorizou para valores mínimos como não conhecia desde o século passado, o que obrigou o Governo a gastar mais dinheiro em juros e em subsídios aos combustíveis, o que alimentou a inflação (chegou aos 31%).

Como se não bastasse, um em cada três angolanos não tem emprego, situação agravada entre os jovens; a pobreza está a crescer: segundo o Banco Mundial, a taxa internacional de pobreza, tendo como limiar 2,15 dólares por dia, atingirá 36,1 em cada 100 angolanos.

“De facto, a pobreza aumentou e não se espera que diminua nos próximos tempos, as previsões de crescimento não são muito grandes. Agora, é importante que o Governo, o presidente e o MPLA preparem condições para não acontecer o mesmo que aconteceu em Moçambique. Porque, aqui em Angola, também pouca gente acredita nos resultados eleitorais”, considera o jornalista e professor universitário Carlos Rosado de Carvalho.

O jornalista e subdiretor do Jornal de Negócios Celso Filipe destaca, entre os problemas estruturais de Angola, a falta de investimento estrangeiro, o “que conduziu a uma estagnação da atividade económica, sobretudo depois da pandemia”. Até então, “grande parte da economia angolana era impulsionada pelo investimento estrangeiro, pela presença dos expatriados, que além de porem o dinheiro a circular, também criam emprego, etc.” Com a saída de muitos milhares de expatriados, com uma desaceleração grande do investimento estrangeiro, isso “penalizou a economia angolana de uma forma muito impactante”, diz o também autor do livro O Poder Angolano em Portugal.

O petróleo continua a ter um peso tremendo na economia – nada menos do que um quarto do PIB e 95% das exportações. “Angola precisa é de diversificar a economia”, sentencia Rosado de Carvalho, para depois dizer que as empresas portuguesas aproveitam as linhas de crédito postas à disposição pelo Governo português, embora neste momento enfrentem dificuldades no que respeita ao câmbio. “Mas o que Angola gostaria que as empresas portuguesas fizessem”, prossegue, “é que viessem para cá investir diretamente na economia. Porque as empresas portuguesas têm linhas de crédito para fazer investimentos, criar indústria, investir na agricultura, etc. E isso, infelizmente, para Angola, sejam empresas portuguesas, sejam de outros países, é difícil, porque o ambiente de negócios não é propriamente muito bom”, diz o professor universitário angolano.

O que é muito bom, mesmo “excelente”, é a relação de Portugal com Angola, prossegue, que salienta também o número sem precedente de candidatos angolanos a emigrar para Portugal devido “ao desemprego e à falta de qualidade do ensino”.

Celso Filipe também diz que as relações bilaterais atravessam um bom momento ao nível político, mas em Angola há a “eterna questão da dívida às pequenas e médias empresas”, um problema agravado com o pagamento da mesma em kwanzas e, em paralelo, a sua “terrível” desvalorização.

Na primeira semana de dezembro, o presidente dos EUA visita Angola, um ano e um mês depois de Joe Biden ter recebido João Lourenço na Casa Branca. O que move os norte-americanos é o corredor do Lobito, a ampliação da linha ferroviária até Catanga, no sul da República Democrática do Congo, e daí até à Zâmbia, territórios com minerais valiosos como o lítio ou o cobalto. Os EUA anunciaram uma linha de crédito de mil milhões de dólares num momento em que as relações de Luanda com Pequim – o principal investidor e também o principal credor de Angola – não atravessam um momento positivo.

“Biden disse que estão a investir em Angola. Não estão nada, estão a emprestar a Angola. É o modelo chinês”, considera Rosado Carvalho. Em Angola, o modelo de investimento chinês, baseado na construção de centros comerciais e da exportação dos seus produtos, em vez de investimento direto de empresas, já não desperta particular entusiasmo, e a tentativa de diversificar investidores levou Pequim a “fazer pressão” para que os angolanos paguem a dívida, diz Celso Filipe. Neste momento, metade da despesa corrente serve para amortizar a dívida. Por outro lado, as vendas de petróleo têm vindo a diminuir, com Pequim a “aproveitar os saldos do petróleo russo”, nota Rosado Carvalho.

Debatendo-se com problemas estruturais na sociedade, Angola tem motivos para comemorar? “A independência é uma conquista irreversível e que foi muito boa para todos os angolanos. Mas nós não temos sabido aproveitar a independência para dar um nível melhor de vida à população e, sobretudo, Educação e Saúde. Essa parte da independência está para se realizar”, conclui Rosado Carvalho. Diário de Notícias

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