O que é o belo no olhar africano? Do lugar de onde venho, a resposta a essa pergunta não se limita às definições convencionais nem aos padrões pré-estabelecidos que refletem apenas uma fração da diversidade humana. Por lá, as diferentes culturas, tradições e as histórias, desafiam essas normas e vão muito além do que o senso comum e ocidental concebem.
Mas o que é a estética e o Belo nesse olhar grande e profundo de um continente diverso? Para muitos, é a combinação única de elementos que transmitem identidade, pertença e resistência. Para outros, é a expressão de espiritualidade e ancestralidade que promove o bem-estar, a ordem e a energia vital (ou nyama, ashé, sereti, dependendo da região), que se reflete na moda, na música, na dança e nas artes visuais. É por isso que a estética, está sempre em diálogo com a ética, e cria uma noção de beleza que é tanto visual quanto espiritual, um reflexo da harmonia e da força que sustenta a vida e as comunidades.
“African Beauty”, o mais recente documentário do produtor e director criativo Coréon Dú, que já havia explorado temas semelhantes em “Bangaologia: A Ciência do Estilo”, volta aos grandes ecrãs com estreias marcadas no dia 3 de novembro, no Reino unido, e no dia 20, na Nigéria, com uma produção que não só celebra a estética africana e as múltiplas formas de beleza que surgem, mas também abre espaço a uma reflexão profunda sobre o olhar africano em relação aos padrões e às suas múltiplas facetas. E nesta jornada visual e de narrativas que atravessam diferentes culturas e contextos históricos, o filme explora a complexidade do belo e como ele é entendido dentro e fora do continente africano.
Produzido durante a pandemia da COVID-19, o filme utiliza o confinamento e o isolamento como ponto de partida para refletir sobre o impacto das culturas africanas no mundo globalizado, mesmo à distância. O documentário inclui entrevistas com historiadores, artistas, estilistas e pensadores contemporâneos, que partilham as suas perspetivas sobre a beleza africana em diferentes contextos.
Além das entrevistas, “African Beauty” inclui imagens de arquivo e representações visuais contemporâneas, criando uma linha narrativa que liga as tradições às expressões modernas de beleza e estilo. Coréon Dú, conhecido por desafiar estereótipos e desconstruir narrativas hegemónicas, procura mostrar que a beleza africana vai muito além da estética física. Ela envolve identidades, resistências e afirmações culturais. Um provérbio suaíli reafirma essa visão: “Sio uso mzuri unaohesabika, bali ni moyo”, que em português significa “Não é o rosto bonito que importa, mas sim o coração”.
Mais do que um documentário, percebe-se que a obra propõe um diálogo aberto sobre identidade, representatividade e o poder transformador e de ajuste do indivíduo africano. Essa visão de beleza enfatiza a autenticidade e a essência interior, onde ser belo é ser verdadeiro consigo mesmo e com os outros e viver de forma harmoniosa com o universo. Assim, a beleza na filosofia africana é também um reflexo de virtudes como coragem, generosidade, sabedoria e força interior.
Tal como na música e no poder da palavra (a oralidade), a auto-estima do indivíduo africano é um abrigo e uma forma de resistência. As narrativas de amor e os ideais de liberdade estão diretamente associadas a imagens que questionam e desconstroem narrativas redutoras. Aqui, a estética não é apenas forma, mas substância que luta para ser vista, compreendida e celebrada. Para mim, enquanto homem negro, faz sentido escrever e falar não apenas do ponto de vista da diáspora e da negritude, mas como alguém que, como muitos, teve de lidar com o processo de auto-aceitação ao longo da vida.
African Beauty é, assim, um convite a todos para repensar o conceito de beleza, não como algo superficial ou estático, mas como uma ideia em constante evolução, moldada por fatores sociais, culturais e históricos. BanTumen /BNS