Cenário de insatisfação dos funcionários é visível em todos os espaços comerciais da rede. Em Luanda, este jornal visitou todos os supermercados, com excepção da loja dos combatentes, e verificou que, entre mais de 30 caixas, apenas cinco estavam em funcionamento. Reclamações em silêncio explicam-se por receios de represálias.
Desde a sua reabertura há praticamente dois anos, a rede de supermercados Kero, agora sob gestão da Accord, uma empresa ligada aos eritreus do grupo Anseba, ultrapassou a fase de prateleiras vazias e está novamente a oferecer diversidade de produtos. Fora a colorida variedade de produtos nacionais e importados, que dão a aparente imagem de estar tudo bem, os trabalhadores estão descontentes com “os magros salários” pagos pela entidade patronal.
A entidade gestora do Kero não actualizou os salários dos funcionários, mesmo diante do contexto económico excessivamente inflacionário e a consequente perda do poder de compra. Os eritreus continuam a pagar o mesmo salário da então gestão do grupo Zahara, antes de perder o activo diante do arresto das autoridades judiciais. O salário dos funcionários de base, desde o caixeiro ao repositor, é de 48 mil kwanzas. A este valor são acrescidos os subsídios de transporte (12 mil kwanzas) e de alimentação (24 mil kwanzas) que, somados, perfazem 36 mil kwanzas. Contas feitas, o salário base mais os dois subsídios fixam em 84 mil kwanzas o rendimento mensal.
Lamentando que o salário “nem serve para fazer face às responsabilidades familiares”, funcionários ouvidos pelo Valor Económico reclamam em silêncio por receios de retaliação, incluindo rescisão contratual. “Estamos a trabalhar porque tem de ter um bocado de pão em casa. O salário de 48 mil kwanzas hoje não serve para nada, é o mesmo que o grupo Zahara pagava, mas os tempos não são os mesmos. Nem para cesta básica serve”, lamenta um funcionário com 10 anos de casa.
Um outro funcionário diz existir “segregação salarial” na rede de supermercados, quando se compara a remuneração dos angolanos com a dos funcionários expatriados. Por este motivo,
alguns trabalhadores têm saído em busca de outras oportunidades. “Temos colegas que saíram da empresa porque o salário não compensa, gastava-se todo no táxi. Recentemente, o valor do táxi subiu para 200 kwanzas, eles só dão 500, temos colegas que moram em pontos distantes e trabalham no turno da noite, com a falta de táxi todos 500 ficam numa única viagem”, detalha, acrescentando que “muitos de nós estamos aqui e ao mesmo tempo à procura de outros empregos”.
A mesma indignação têm quanto ao subsídio de alimentação, considerando que, com os actuais mil kwanza/dia, “só é possível comer um pão cassete”.
O cenário de insatisfação dos funcionários é visível em todo os espaços comerciais da rede. Em Luanda, este jornal visitou todos os supermercados, com excepção da loja dos combaten- tes, e verificou que, entre mais de 30 caixas, apenas cinco estavam em funcionamento. Ou seja, pelo menos 90% das caixas estavam sem pessoal, situação justificada pelos próprios funcionários com o reduzido número de clientes, apesar de, em algumas vezes, se notarem algumas enchentes.
Os funcionários, grande parte jovens, esperam agora que o salário suba acima dos 100 mil com o reajuste do salário mínimo nacional, que aguarda publicação oficial. Até ao fecho desta edição, o jornal não conseguiu contactar a direcção da Accord.